Armanda Ofélia (1918-1984) foi a vencedora feminina do concurso “À procura de um ator e de uma atriz”, patrocinado pela Emissora Nacional e pelo Diário de Lisboa, com a colaboração da Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro, que explorava à altura o Teatro Nacional, realizado em fevereiro de 1940.Ela era minhota, nascida muito perto de Viana do Castelo. Com 21 anos, veio de comboio até Lisboa. A família não gostou da aventura teatral, chegando mesmo a bater-lhe. Até o pai, a trabalhar em Angola, ficou zangado.
Para entrar no teatro, ela precisava de ter frequentado o conservatório, o que atrasou o seu ingresso na cena artística. Não sei como sobreviveu economicamente nesse período. Apenas em março de 1941, ela estreou-se no palco, com um papel na peça “Nortada”. Emília Tavares, João Reis e Mário Duque eram os autores. Francisco Igrejas Caeiro, o par masculino vencedor no mesmo concurso, e que entrou logo no teatro, contracenaria com ela.
Desconheço o percurso posterior de Amélia Ofélia. As belas fotografias existentes no arquivo fotográfico da Fundação Gulbenkian pouco adiantam sobre tal. Friso ainda que o concurso “À procura de um ator e de uma atriz” seria, certamente, a última iniciativa de Henrique Galvão (e da sua equipa) na Emissora Nacional. Galvão, que entrara pela porta grande em 1935, teria uma despedida da rádio de Estado muito violenta no verão de 1940, iniciando-se aí a sua saga anti-Estado Novo, apesar de ainda se manter como deputado na Assembleia Nacional. (Diário de Lisboa, 23 e 31 de março e 3 de abril de 1941)
Atualização a 2 de dezembro de 2020: Armanda Ofélia de Carvalho da Silva nasceu em 29 de junho de 1918 em Monserrate, Viana do Castelo, e faleceu em 1 de abril de 1984 em Luanda, filha de José Armando da Silva, oficial do exército, e Laura Beatriz de Carvalho e Silva. Ela casou com José de Faria Barbosa (1907-1964), jornalista e etnólogo, em 30 de dezembro de 1943, e foi mãe de José Armando da Silva de Faria Barbosa (1946) (Untitled – Asociación de Genealogía, Heráldica y Nobiliaria de Galicia (yumpu.com), p. 228) [obrigado a Jorge Afonso pela pesquisa]. Isto explica porque a atriz gostaria de ser chamada por Ofélia, visto ser um dos nomes próprios, e o desconhecimento do paradeiro posterior por parte de Francisco Igrejas Caeiro, pois ela casou, abandonaria o gosto pelo teatro e iria viver anos depois para Angola.
A volta a Portugal em bicicleta foi sempre uma festa para a rádio. Já no longínquo ano de 1935 isso se verificou, com o jornalista do Diário de Lisboa a comentar uma das etapas. Tinha passado o tempo das bicicletas de 16 quilos de peso, a precisarem de dez minutos para reparar um furo. Contava José Maria Nicolau que a mulher sintonizava todos os dias a Emissora Nacional à espera de ouvir o marido, com a seguinte advertência: “para ficares no meio do discurso como o Ezequiel mais vale ficares calado”. A Emissora Nacional ouvia todos: jornalistas, fotógrafos, mecânicos, motociclistas, delegados dos clubes, motoristas. À época, o grande rival de Nicolau (Benfica) era Alfredo Trindade (Sporting). A prova de 1935 seria ganha por César Luís (Velo-Clube Os Leões, de Ferreira do Alentejo).
A defesa que eu faço da radiodifusão em Portugal é que ela se iniciou em 1924 (e não em 1925, como tenho lido por aí). Para isso, apoio-me nas notícias publicadas na revista “TSF em Portugal”, dirigida por Álvaro Contreiras.
Mas faço essa afirmação com muitas cautelas, pois o editorial da revista aponta a a radiotelefonia e a radiotelegrafia como seus objetos de trabalho, áreas anteriores à radiodifusão. O meu ponto de vista é que radiodifusão implica difusão de programas de palavra e música com regularidade, o que se observaria em finais de 1924 com os concertos em CT1AA. Ao invés, a fotografia do equipamento de 1PAB, de José Dias Melo, mostra apenas o necessário para radiofonia.
(“TSF em Portugal”, 11 de setembro e 28 de dezembro de 1924 e 15 de fevereiro de 1925).
Como contributo a uma biografia de Francisco Igrejas Caeiro, retiro de https://www.cmjornal.pt/…/a-vida-de-igrejas-caeiro…, de 21 de novembro de 2004, uma entrevista-história de vida. Na imagem, que também retirei da internet, ele a entrevistar Amália Rodrigues.
A Vida de Igrejas Caeiro: Companheiro da Alegria
Comprou um autocarro prateado, para os seus ‘Companheiros da Alegria’. Nunca o estreou. Bastou uma frase para que Salazar calasse o locutor. Igrejas Caeiro, com o coração partido, vendeu o autocarro ao Benfica.
Igrejas Caeiro respondeu com toda a franqueza à pergunta do jornalista Raul Duarte (pai): “Qual o estadista que mais admira?”. O locutor de ‘Os Companheiros da Alegria’ não, não achava que fosse António Oliveira Salazar e disse-o ao ‘Norte Desportivo’: “Embora preocupado com a sorte dos pedaços da nossa terra espalhados pela Índia, considero Nehru o maior estadista da nossa geração”.
Ainda hoje sabe quase de cor o que disse em 1954. Mesmo que a Alzheimer lhe coma da memória os nomes das pessoas, e a morte recente da mulher, a atriz Irene Velez, também ajude a doença do esquecimento. “São sobretudo os nomes que desaparecem, até de pessoas íntimas minhas, de abraço, daquelas do ‘olá, como estás’. Acontece-me isso hoje em dia”, diz sentado na sua casa em Caxias.
Ele conta que, apesar da ousadia que então muito apoquentou a sua mulher, a entrevista ao ‘Norte Desportivo’ acabou por passar ao censor – talvez este não supusesse que tal coisa se pudesse dizer num título sobre desporto. Mas foi ouvida com agrado na União Indiana – um ator português muito popular enaltecia Nehru, quando os ventos da revolta já beliscavam os primeiros territórios portugueses. A Emissora Nacional, onde trabalhava Igrejas Caeiro, ouviu a repetição da resposta, e alertou a PIDE.
Em 1954, ‘Os Companheiros da Alegria’ percorreriam o País, em itinerância, Açores e Madeira inclusive. Plateias aplaudiam os artistas, quando eles chegavam era dia feriado. No auge da popularidade, Igrejas Caeiro tinha mandado fazer ao Porto um autocarro como nunca se tinha visto – queria ir às colónias africanas, “atravessar o mapa cor-de-rosa”.
“Eu era tão ambicioso! Este autocarro podia levar água e até tinha cozinha e casa de banho. Imaginem o que seria aparecer em África uma coisa destas cheia de gente de teatro!”
Mas o autocarro prateado nunca sairia de Lisboa. Depois da resposta a Raul Duarte, Igrejas Caeiro é proibido de trabalhar por decreto. Vende o veículo por metade do preço, com o coração em estilhaços.
A caminho do palco do Dona Maria
Francisco Igrejas Caeiro foi nascer a Castanheira do Ribatejo ajudado pela avó parteira que lá morava. E regressou a Lisboa. Filho único, cresceu sob a influência do pai, republicano dos sete costados, do Partido Radical, soldado de cavalaria da GNR que depois de queda do cavalo muda de vida – torna-se encarregado de refeitórios públicos, os chamados ‘sopa do Sidónio’. A mãe é costureira.
No prédio da Rua Ivens, hoje ocupado pela Rádio Renascença, a família abre uma pensão. Na vizinhança destaca-se certo italiano, cantor lírico, que lhe gaba a voz. Tem 10 para 11 anos, frequenta o Liceu Passos Manuel.
“Nessa altura aconteceu-me uma coisa muito importante. Dois professores deixaram de aparecer, disseram-nos que tinham sido levados pela polícia política. ‘Presos porquê?’, perguntámos. ‘Coisas da política.’ Aquilo fez-me muita impressão.
“Numas férias de Verão emprega-se numa firma de aparelhos elétricos. O dinheiro – cem escudos por mês – é uma novidade não desprezada em família de recursos modestos. “Aquele dinheirinho foi tão agradável aos meus pais que já não voltei ao liceu.” Passa a estudar à noite na Escola Comercial Rodrigues Sampaio.
De dia calcorreia as ruas de Lisboa a fazer mandados ao patrão, à noite estuda. E arranja ainda tempo para ouvir ameaças por andar a colar cartazes da oposição junto ao Governo Civil.
“O meu pai e eu ouvíamos as emissões da rádio internacional numa galena feita por mim, particularmente durante o período da guerra espanhola. Lembro-me dele dizer: ‘Vais ver, vais ver, qualquer dia isto vem a baixo.’
“As vozes de um mundo tão diferente de Portugal empolgam o miúdo. E, aos 12 anos, Francisco Igrejas Caeiro apresenta-se ao serviço na Emissora Nacional. Queria ser locutor. A graça pegou, mas ainda teria de esperar muitos anos até se sentar frente àqueles microfones. “Mandaram-me embora. Foi uma tristeza.
“Sempre a correr Lisboa, o empregadinho – “comecei a subir de responsabilidade e já ia aos bancos” – muda para o curso comercial e entra, incentivado pela mãe, no Conservatório. Estuda com o mestre Araújo Pereira.
Em idade da tropa, assenta praça na Escola Prática de Administração Militar e é selecionado para o Curso de Sargentos em Tavira.
Estava Igrejas Caeiro fardado em terras do Algarve, quando no ‘Diário de Lisboa’ se publica o anúncio ‘À procura dum ator e de uma atriz’. Era um concurso promovido pelo jornal, pela Emissora Nacional e pelo Teatro Dona Maria II. “Candidatei-me, mandei o meu retrato. Éramos uma centena de concorrentes, num concurso muito duro.” Caeiro recebeu a senha 47 e foi buscar Araújo Pereira. O mestre, o pupilo e a parceira, Armanda Ofélia, calcorreiam a Baixa ensaiando a peça, como se da vida se tratasse. Ganharam.
O contrato de um ano com o Teatro Dona Maria começa com a peça de Ramada Curto, ‘O Caso do Dia’, ao lado de Amélia Rey Colaço e João Villaret. Em 1939 Igrejas Caeiro larga a firma de aparelhos elétricos. É ator.
Do primeiro microfone à nota de Salazar
Ator contratado, Igrejas Caeiro não desiste. Quer arranjar outra profissão, quer ser locutor. Os motivos são prosaicos. “Andava preocupado. A vida de um ator não era certa, e cheia de dificuldades. De maneira que levava as coisas no teatro como uma paródia. O teatro era coisa passageira.”
Para arranjar trabalho mais certo, bate à porta do capitão Henrique Galvão, o homem-forte da Emissora Nacional, que fora júri do concurso ‘À procura de um ator e de uma atriz’. Quer fazer teatro radiofónico. A resposta chega-lhe desanimadora. Galvão diz-lhe: “Oh, Igrejas Caeiro, você ganhou, mas o teatro radiofónico tem outra expressão”. E obriga-o a fazer testes.
“Lembro-me que estive uns 15 minutos a falar de cor sobre uma festa badalada. No final, ele perguntou-me se eu não queria ser locutor. Fui logo à empresa onde ainda trabalhava e disse ao patrão que já tinha uma coisa certa na vida e que essa coisa era a rádio, que me demitia.”
Acaba o contrato com o Dona Maria II, e segue parte dos atores da companhia para o Teatro da Trindade. O diretor era António Lopes Ribeiro. “Nessa altura, ele era um homem muito ligado ao regime e eu já andava nas coisas do contra. Mas ele lá gostava de mim e metia cunha, quando a peça ia para o Porto, para me dispensar do trabalho na Emissora em Lisboa, arranjou maneira de eu ficar responsável pela seleção de locutores.”
Apesar do aliado, o diretor da EN começou a ter dúvidas sobre a propriedade de ser o tal “homem do contra” a fazer a seleção dos novos radialistas. E não fosse o regime considerar a influência perniciosa, colocou o dilema ao presidente do conselho. “Salazar mandou uma notazinha a dizer – ‘Esse senhor vai ao Porto pela última vez, pois de futuro terá de escolher o que quer, o teatro ou a rádio.'”
Mas Igrejas Caeiro continua, e até faz cinema. Em 1946 estreia-se em ‘Camões’ de Leitão de Barros, com António Vilar e Eunice Muñoz.
Uma nota de 500 escudos não se pode deitar fora
No Teatro da Trindade conhece aquela que seria a sua sogra, Elvira Velez, a atriz que emparelhou com Vasco Santana em ‘Zequinha e Léle’. A filha, Irene, costuma ir vê-la ao teatro e é ali que topa com Igrejas Caeiro. Após três meses de conversa, casam. Ele ainda estava na tropa.
Em 1948 é despedido da Emissora Nacional por assinar, com mais 12 trabalhadores da estação, um documento no âmbito do Movimento de Unidade Democrática. “Queriam eleições livres. Numa das folhas do abaixo-assinado o meu nome até aparecia à cabeça. Fui chamado à polícia, perguntaram-me quem é que me tinha chamado para assinar uma coisa daquelas. Eu disse-lhe que não sabia, que aquilo estava em toda a parte.”
Irene Velez apoquenta-se, Igrejas Caeiro está desempregado. O casal recebe a notícia na Costa da Caparica onde passava férias. Mas apesar disso: “Dormi tão bem nessa noite!”.
Hoje, dia em que toda a gente no Facebook escreve sobre a morte do jogador argentino que marcou um golo com a mão, dizendo depois que foi a mão de Deus, escrevo sobre o desaparecimento de Jorge Botelho Moniz (e, 20 anos antes, do seu pai).
A par de Alberto Lima Basto, Jorge Botelho Moniz foi fundador de Rádio Clube Português, a maior estação comercial até 1975. O artigo necrológico acerca dele diz tudo sobre a sua vida. Pela nota necrológica do pai, percebemos haver duas gerações de militares que alcançaram postos importantes no exército português. O filho Júlio Botelho Moniz chegou a general e a ministro da defesa e participou num golpe abortado contra Salazar, no ano horrível de 1961.O que trago aqui de mais curioso são os nomes próprios dos filhos. Jorge e Júlio perpetuaram-se nas gerações: o filho de Júlio chamou-se Jorge; o filho de Jorge chamou-se Júlio. Um segundo filho chamar-se-ia José Carlos. Isto persiste há mais de um século naquela família.
Falta, isso sim, uma biografia de Jorge Botelho Moniz, o enorme responsável dessa estação de rádio portuguesa.
(“Diário de Lisboa”, 30 de julho de 1961 e 11 de março de 1941)
Compare-se o anúncio do rádio Emerson com este da Philips (Diário de Lisboa, 2 de fevereiro de 1941). Se, naquele, emergia uma figura que podia lembrar Louis Armstrong, cantor e trompetista americano, este é mais significativo e até apresenta uma curta biografia do mais popular locutor português da época, Fernando Pessa, a trabalhar na BBC e a voz mais conhecida dos noticiários na nossa língua. A associação entre voz e recetor é clara.
O anúncio do recetor popular – a preço acessível – lembraria a ideia da campanha da Emissora Nacional de 1935-1936, quando se pensou que a popularização do recetor de rádio favorecia a ideologia do Estado Novo, ao propagar os seus discursos. Salazar referiu-se a isso de modo direto. Mas havia um problema – ao contrário da Alemanha de Hitler, Portugal não possuía uma indústria de produção de rádios, o que representou apenas despesa pública.
Retirado da página de Telmo Vaz Pereira | Facebook:
“Homem de insuspeitadas qualidades, Sebastião Coelho foi cronista, repórter, produtor de programas e discos, publicitário, diretor e responsável por emissoras de rádio, diários e revistas”.
“A foto que agora publico e onde me encontro com Sebastião Coelho, ou simplesmente o Sebas (ou Kandimba na clandestinidade), foi tirada pela sua mulher Bely (Isabel García) em Janeiro ou Fevereiro de 2002, na Brasileira do Chiado, em Lisboa.
Nesse mesmo ano, 2002, no mês de Novembro e no dia 22, soube através do noticiário das rádios internacionais de que ele era correspondente, de vários países, nomeadamente a RFI, a BBC e a VOA, a triste notícia do seu falecimento em Buenos Aires, Argentina, onde ele vivia depois de ter saído de Angola.
Sebastião Coelho foi, depois do meu pai então já falecido, o meu Mestre da Vida, a quem muito devo pela generosidade com que me transmitiu o seu saber, a sua experiência, a sua enorme cultura, as suas ideias, as suas convicções, a sua visão do mundo. Devorava os livros que me emprestava para ler e que me abriram o horizonte até então desconhecido, e quando os devolvia esclarecia o que eu previsava, porque em nenhuma escola ou liceu jamais tinha ouvido falar em Sartre ou Marx ou em O.Wild.
Os primeiros contactos que tive com Sebastião Coelho sucederam-se desde quando eu tinha 18 anos, e ele já era um homem de cerca de 35, e que prosseguiram ao longo da vida. Foi em Angola, nossa terra comum onde ambos vivíamos. Era um exemplo de firmeza, coerência e honestidade, e de uma extraordinária relação com outros seres humanos, independentemente das categorias sociais”.
O radialista angolano, à direita na imagem, faleceu há 18 anos.
Na verdade, a notícia refere-se a outra notícia publicada no jornal 50 anos antes, o que eleva para 100 anos esta memória. O tema é a história do tenor Tomás Alcaide, que cantara profissionalmente ópera durante trinta anos. Por exemplo, cantou Rigoletto 109 vezes! De outras atividades, ele passou pela Emissora Nacional, onde foi chefe da secção de intercâmbios.
O texto aparece assinado por Álvaro de Andrade, que também trabalhou na Emissora Nacional, antes de se dedicar a tarefas organizativas no teatro e ser jornalista no Diário Popular.
Da rubrica rádios do Porto, na página de Jose Antonio Martins, retiro, muito grato, as seguintes imagens das seguintes estações: Rádio Delírio, rua João Lúcio Azevedo, 53, 13º, Emissores do Norte Reunidos, rua D. João IV, 960, Eletromecânico, passeio de S. Lázaro, 34, Emissora Nacional (Emissor Regional do Norte), depois RDP, rua Cândido dos Reis, Ideal Rádio, rua Alferes Malheiro, 145-147, e ORSEC – rua de Cedofeita, 452.
Aviação agrícola e crónica de António Cartaxo de Londres, eis dois temas fortes da edição do programa 1-8-0. Cartaxo, durante muitos anos, foi uma voz que ouvi com muita atenção nos programas da Antena 2, a combinar saber musical e um modo acessível de fazer jornalismo cultural. Deixo aqui as capas de dois livros dele.
Mobilização de valores, o concurso “À Procura de um Ator e de uma Atriz”, organizado pela Emissora Nacional, Diário de Lisboa e companhia de teatro Amélia Rey Colaço-Robles Monteiro, foi uma “chamada geral a todos os novos, rapazes e raparigas, sem distinção de classes ou de profissões, de Lisboa ou da província, dentro de um quadro mínimo de exigências, que permite a toda a juventude concorrer, em condições excecionais de êxito” (Diário de Lisboa, 26 de outubro de 1939).Um elemento que se salientou na edição inicial foi Francisco Igrejas Caeiro. Dele, retenho um longo extrato de entrevista dada a Luís Garlito (abril de 1991, Arquivo da RTP AHC 11872):
«No círculo da minha vida, liguei-me primeiro ao teatro antes de aparecer na rádio. Fez-se em 1939 um concurso que se chamava À Procura de um Ator e de uma Atriz. Esse concurso foi promovido pelo Teatro Nacional D. Maria II, pelo Diário de Lisboa e pela Emissora Nacional. Com um júri de muito interesse mental e intelectual. Fazia parte do júri o capitão Henrique Galvão, que era o presidente da Emissora Nacional. Fazia também parte do júri o diretor do Diário de Lisboa, os diretores do Teatro Nacional, uma enorme plêiade de pessoas com muito interesse. Eu estava na tropa em Tavira a fazer o curso de milicianos. Como já estava habituado a fazer coisas de teatro, fizemos lá uma festa que deu brado. Quando apareceu no Diário de Lisboa a notícia deste concurso, os meus camaradas de tropa disseram para concorrer. Mandei a minha inscrição. Estava a acabar o primeiro ciclo de milicianos em Tavira, vinha para Lisboa e podia fazer as provas. Comecei a fazer as provas eliminatórias. Concorreram cerca de 100 pessoas e havia sucessivos testes para chegar à final. Fui ficando. Até que ficaram aprovados cinco rapazes e cinco raparigas, acasalando com as próprias classificações. Estava em primeiro lugar. A rapariga, Armanda Ofélia, desapareceu depois. Prémio: ser contratado para Teatro Nacional D. Maria II. Nas sucessivas eliminatórias, ganhei o concurso, em maio de 1940. Contrato até ao fim da temporada: junho. Amélia Colaço e Robles Monteiro. Voltámos em outubro. Fui ter com o capitão Henrique Galvão. “Fechou o Teatro Nacional, eu gostava de entrar no teatro radiofónico”. Fazia-se muito teatro radiofónico. Então, disse-me: “Igrejas Caeiro, você ganhou o concurso para ator mas tem de fazer teste para ator radiofónico”. O diretor era o Carlos Galvão. Andava-se de bata branca, rua do Quelhas. Metem-me na cabina para ler textos de teatro. Pergunta: “improvisa com facilidade? Você esteve em Guimarães”. Fez-se cena do Afonso Henriques, que batia na mãe para fundar Portugal. “Você esteve em Guimarães, descreva o que se passou. Você fala francês, inglês”? “Falo francês, inglês leio”. Dão-me um noticiário. “Você não quer ser locutor da Emissora Nacional? Amanhã, entra em estágio”. Estive quinze dias em estágio a relacionar-me com tudo, a mergulhar na música clássica, não habitual porque vinha de outro extrato muito diferente. A Alina Ruas, mulher extraordinária, ajudou-me muito, facilitou-me esse contacto com a música clássica. Na Emissora Nacional, havia os leitores de noticiários que faziam outros programas e os locutores comuns. Havia um rapaz de boas famílias impedido de ler os jornais. Um dia, faltou o Olavo, não quiseram dar ao Sampaio Garrido. Deram-me e passei a ser leitor de noticiários. O Sampaio Garrido tinha coisas. Estávamos em plena guerra de Espanha. O general Moscardó. O Sampaio Garrido dizia Moscardo. Um dia vem o trecho do Voo do Moscardo. Ele disse Moscardó. João da Câmara, no estágio que fiz, era um locutor de qualidade. Outros locutores: Maria Rezende, Olavo, Jorge Alves. O João da Câmara era notável e profissional exemplar. Deu-me possibilidade de encontrar o estilo que a Emissora Nacional tinha. Quando se ligava o rádio, sentia-se o estilo. A Emissora Nacional era um padrão. João da Câmara era delicado e de grande camaradagem. Para a história da rádio, houve uma reestruturação na Emissora Nacional e os locutores passaram a ter categorias de 1ª, 2ª e 3ª. Eu passei de 3ª para 2ª, como o João. Fomos os dois primeiros locutores com categoria de 1ª. Fizemos concurso, havia duas vagas preenchidos pelo João e por mim.
Em 1948, há a demissão de mais de uma dezena de colaboradores da Emissora Nacional que por motivos políticos foram demitidos, no campo do microfone (Etelvina, eu) e na produção. Vaga compelida a sair. Entrei a trabalhar como independente e liguei-me a uma organização que existia de programas de auditório, que tinham começado nessa altura os programas de auditório em Portugal. A APA, que foi percursora, e as Vozes de Portugal, de José Rocha, José Castelo. Era uma coisa um bocadinho pobre. Contactei-os e levámos para o teatro Politeama, ligado às Vozes de Portugal, com estrutura que não gostava. Começou a haver desavença com os proprietários, as Vozes de Portugal: “Entreguem ao José Rocha, Comboio das Seis e Meia”. O título Comboio às Seis e Meia era meu, eu era diretor. Tudo estruturado primeiro. E ganhámos à APA. Era às seis e meia, passava-se no Politeama, com concursos atraentes e prémios para os espectadores. Eletrodomésticos, viagens ao Brasil. O Comboio das Seis e Meia, apresentava, era produtor, realizador, mas não dono. A publicidade dava comissão ao Igrejas Caeiro. A empresa sentia que eu ganhava mais do que a empresa. Na volta em bicicleta a Portugal de 1951, onde apareceu o Alves Barbosa, convidaram-me para organizar espetáculos ao fim da etapa. A volta a Portugal durava três semanas. Estruturei tudo para um mês, contactar os artistas. Fui a França buscar carrinha de dez lugares, compro-a e vendo-a ao final do mês. Fazíamos espetáculos no final da etapa. Vinham de motocicleta ou de comboio bobinas para dar no dia seguinte no Rádio Clube Português. Introduzi concursos novos. Havia À Procura de uma Estrela em cada espetáculo. Apurávamos em cada etapa uma pessoa que ia à final. A final era em Vila do Conde. O prémio era quinze dias de férias. Descobriram-se muitas estrelas. Um rapaz, o Alvarinho. No fim do mês, a final do espetáculo em Vila do Conde, com milhares de pessoas, ao ar livre. Tinha um lado de competição. Era saber quem seria a estrela. Teve muito impacto, de modo a que surgiram pedidos de muitos sítios para que os Companheiros da Alegria fossem lá. Tinha ali uma galinha dos ovos de ouro. Continuámos até que em 1954 fomos proibidos, por despacho do senhor Costa Leite Lumbrales, porque eu disse que o Nehru era o estadista mais importante da nossa geração. O programa pode continuar, de cabina, por interferência do major Botelho Moniz. Eu fazia exposições, reclamações. Quando o Costa Leite Lumbrales saiu e o Marcelo Caetano foi para ministro da Presidência fiz nova exposição e Marcelo Caetano não quis pôr em causa o despacho do Costa Leite Lumbrales. Que fez? Deu-lhe uma interpretação que aquilo era por cinco anos e já tinha passado. Comecei a trabalhar por um despacho que esclarecia que o despacho anterior era por um espaço de cinco anos. Forma inteligente de resolver o problema sem pôr em causa o seu antecessor. Momento alto dos Companheiros da Alegria eram os Diálogos do Zequinha e Lelé. Os diálogos começaram na Emissora Nacional, anteriores aos Companheiros da Alegria. No Domingo Sonoro, que se fazia na Emissora Nacional, e que era programa de rádio notável, havia sempre, para lá do noticiário da semana, que era muito bem feito, havia os diálogos do Olavo e depois passou a ser os diálogos da Lelé e do Zequinha. Eram de autoria do Aníbal Nazaré e do Nelson de Barros , dois grandes humoristas, com interpretação principal do Vasco Santana e da minha mulher Irene Velez, além de outros como a minha sogra, o irmão, a tia. Era a ideia do namoro da janela, coisa que os jovens não entendem. A menina estava no terceiro ou quarto andar e ele cá em baixo, porque não se podiam encontrar a não ser em circunstâncias mais adiantadas. Dizia-se “olha”. Há evolução do namoro, até que os autores resolvem casá-los. Até que numa zanga, depois de casados, a Irene (Lelé): “tu nunca gostaste de mim. Tu casaste, mas contrariado. Porque lembro-me bem quando estávamos no registo civil o conservador a dizer se tu me aceitavas tu nunca mais falavas. Tive de te dar um beliscão”. E disse o Vasco Santana: “ai”. A popularidade era tal que vieram reclamações para a Emissora Nacional que aquele casal não era casado pela Igreja mas só pelo civil. Então, a direção da Emissora Nacional nessa altura exigiu que os autores fizessem um episódio para fazerem um novo casamento pela Igreja. Os autores recusaram, os intérpretes recusaram, e acabou, na Emissora Nacional, a Lelé e o Zequinha. Da Lelé e do Zequinha, que era um grande êxito, não ficou uma única gravação. Os diálogos do Olavo – não ficou uma única gravação. Depois, nós recuperámos o trabalho de cabina no trabalho de auditório e no Comboio das Seis e Meia, pela primeira vez, fizemos a Lelé e o Zequinha ao vivo com o auditório do teatro Politeama. A Irene estava numa frisa lá em cima, o Vasco estava cá em baixo e faziam a história do namoro à janela porque recuperámos todos os episódios e fizeram-se muitos mais».
Desde muito cedo, a Emissora Nacional dera apoio ao teatro, com a primeira peça representada radiofonicamente em 29 de agosto de 1934, conforme a notícia do Diário de Lisboa anexa a esta mensagem.
O padre José Silveira de Ávila (1895-1977) é uma das figuras marcantes da rádio portuguesa. No recorte de notícia, vemo-lo como homem ligado à Mocidade Portuguesa, uma organização dentro do Estado Novo. Contudo, é na relação daquela com a rádio que eu pretendo argumentar aqui.
Se o SNI foi essencial para a formação de locutores nas décadas de 1940 e 1950, a Rádio Universidade, uma entidade desenvolvida pela Mocidade Portuguesa logo a seguir à II Guerra Mundial, foi peça fundamental para o desenvolvimento de locutores, sonoplastas e jornalistas que atingiriam a plenitude antes de e, em especial, depois de 1974. Sem ir mais longe, cito os nomes de Adelino Gomes e José Nuno Martins.
O padre José de Ávila foi importante na formação desses jovens, com o seu estúdio rudimentar de rádio no liceu Camões, onde era professor de canto coral e de religião e moral e captava entusiastas para a rádio. Os programas escritos, montados e produzidos no liceu eram, depois, emitidos pela Rádio Universidade.
A Alemanha invadira a Polónia, após ter ocupado Dantzig (Gdansk) e reivindicar um corredor da Alemanha até aquela cidade nortenha, bombardeando Varsóvia e outras cidades. O embaixador inglês em Berlim abandonava o seu posto. Nesse dia, o “Diário de Lisboa” fez três edições (1 de setembro de 1939). França e Inglaterra declarariam logo guerra a Hitler. A Emissora Nacional aumentaria o número de noticiários (Diário de Lisboa, 3 de setembro de 1939). O longo e sombrio tempo da II Guerra Mundial começava.
O recetor de rádio tornava-se cada vez mais necessário.
, escrevo sobre o desaparecimento de Jorge Botelho Moniz (e, 20 anos antes, do seu pai).
