Mês: Novembro 2019

(do arquivo de Fernando Rocha, a quem agradeço a informação e a imagem)

Na escola de música de Rádio Clube Infantil (que não era uma estação de rádio mas uma escola e um programa de rádio no Porto), o ensino individual e a preparação de naipes era responsabilidade da professora Emília Resende, coadjuvada pelas filhas Maria Emília (violino e harpa) e Maria Fernanda (violoncelo). O irmão António (Resende Dias), nas vésperas dos espetáculos anuais, participava nos ensaios, dirigindo o grupo dos jovens instrumentistas que constituíam a orquestra que neles se apresentava, tendo-o à sua frente, vestindo casaca. Era o maestro. E, desde então, passou a ser chamado maestro Resende Dias.

Rádio Clube Infantil foi um alfobre de artistas. Fernando Rocha ficou ligado à rádio e à componente musical. Alberto Bastos Nunes, também ligado à orquestra, formada no final da década de 1930, início da seguinte, seguiu a carreira musical e veio a ser o primeiro maestro da Orquestra Sinfónica Juvenil, constituída em Lisboa, em 1973, dirigindo-a até 1983, mas sem qualquer relação com Rádio Clube Infantil, não sinfónica mas de câmara.

Em nota manuscrita, Fernando Rocha refere também José Luís Nunes Duarte, primo de Alberto Bastos Nunes, que seguiu igualmente a carreira musical como violetista, integrando a Orquestra Sinfónica do Porto, o Quarteto de Cordas do Porto e lecionando em escolas no Porto, Espinho e Viana do Castelo.

Sobre a família Resende Dias, há muitos recursos de informação em https://resendedias.wordpress.com/.

A 25 de outubro passado, escrevi: “Sim, a rádio não existiria sem a música e a música não seria conhecida sem a rádio. Obrigado, velhos radialistas de Rádio Delírio, eu que fui fiel ouvinte – e também de Rádio Caos. Agora, Álvaro Carneiro, João Carvalho Costa e Paulo Vieira de Castro IV em aventura no Timbuktu. Fiquei emocionado ao ouvir o programa, que me levou a memórias de há quase 50 anos”.

Eu aludia a edição do programa Timbuktu dedicada a Angola. Agora recupero o programa em
https://www.mixcloud.com/RadioTransfo…/timbuktu-programa-56/.

Por favor, ouçam atentamente a música de Angola. São quase duas horas de programa (o que eu disse mais ou menos ao final da primeira hora é muitíssimo menos relevante do que a riqueza da música daquele país africano).

Investigar em História é uma tarefa que obriga, muitas vezes, a confiar na sorte de encontrar o fio condutor que leva ao objetivo pretendido. Outras vezes, descobrem-se realidades desconhecidas que conduzem a novas dúvidas e à necessidade de as esclarecer, num processo quase sem fim na pesquisa do passado.

Isto vem a propósito de uma pequena cantora de Rádio Clube Português da década de 1930. Menina prodígio, perdi o rasto a Mimi [Maria Manuela Garcia] Extremadouro. Na leitura da Vida Mundial Ilustrada, que ando a fazer, cheguei a um elo que faltava. Mimi Extremadouro empregar-se-ia em empresa de publicidade detida por José Castelo, um homem da rádio (edição da revista de 11 de julho de 1946). Para ela, a máquina de escrever substituía o microfone e as faturas e contratos as notas musicais.

A publicidade à marca His Master’s Voice parece ser do tempo em que os animais falavam, com todos roídos de inveja pela fama do cão. Mas um passariquito, uma pega, chamou burro ao mesmo. Não sei porquê mas lembrei-me da dupla articulação no mestre da linguística André Martinet (1908-1999) (Vida Mundial Ilustrada, 4 de dezembro de 1941).

A rádio, a grande maravilha!

Alfredo Quádrio Raposo nasceu em 1914 e entrou para a Emissora Nacional em 1935, onde assumiria o cargo de encarregado de estúdios, enquanto estudava Filologia Românica (“Vida Mundial Ilustrada”, 28 de setembro de 1944).

Para ele (à esquerda na fotografia, ao lado de Domingos Lança Moreira), o relato desportivo “exige reflexos de espírito imediato sobre a sensibilidade visual “, apesar de a rádio usar apenas o sentido auditivo. Ele consideraria o boxe como a modalidade mais difícil de acompanhar na rádio e criticaria os “sábios” que comentavam os relatos e mesmo os jogos em si.

Depois dele, destacar-se-iam Lança Moreira, Artur Agostinho e Nuno Brás nos relatos de futebol e hóquei em patins na rádio do Estado. O ciclismo e o automobilismo teriam outros locutores.

O desenho (o seu significado) é mesmo tótó (Vida Mundial Ilustrada, 24 de maio de 1945). No mercado, ainda não estavam comercializados os gravadores de som, nem se imaginavam as boxes da televisão, os telemóveis e a internet. Aquele era mesmo um tempo estranho – não havia nada.

A notícia é bem fixolas (Vida Mundial Ilustrada, 31 de maio de 1945), até porque a II Guerra Mundial havia terminado. O Jorge (como ele assinou na fotografia) fez-se fotografar com a menina Arleen Whelan (1916-1993), uma atriz de cinema americano, ruiva natural, julgo eu. Ele ia regressar a Portugal pois o contrato com a NBC estava a acabar. Veio de lá mais profissional. Ainda me lembro dele apresentar a programação semanal da RTP, movido da rádio para a televisão.

Magistral discurso de Salazar sobre a adesão de Portugal à NATO, de acordo com o título dado pelo editor, cantora Ernestina Almozline a estrear-se no programa de variedades da Emissora Nacional, a obra do padre Américo revelada na Rádio Renascença, a antiga locutora da rádio oficial Maria de Rezende a participar em programas de Rádio Peninsular e Artur Agostinho entrevistando o ciclista Félix Bermudes. Quase que se pode escrever uma história da rádio portuguesa de 1949 a partir desta página.

A Rádio Nacional era propriedade do Jornal do Comércio e das Colónias e o seu diretor Jorge Felner da Costa, então diretor administrativo da Emissora Nacional, e que sucederia no cargo da publicação a Diniz Bordallo Pinheiro. Segundo li, o responsável da Emissora Nacional não deixaria boas recordações ao sair da rádio.

Para mim, o Repórter 1 não foi tão simpático como parece ao descrever, em 1944, a nova locutora da Emissora Nacional, Joana Campina Miguel, para a revista Vida Mundial Ilustrada: “cabelos castanhos, nem alta nem baixa, bonitinha, com vinte e um anos que parecem menos, e aluna da Faculdade de Letras, à beirinha da formatura”. Ela também não fora acessível, respondeu ao jornalista somente no tempo de passagem de um disco e não lhe deu uma sua fotografia para publicar na revista. Algum tempo depois, a revista informaria que ela era simpática e à procura do seu lugar de locutora e a querer fazer um magazine radiofónico.

Entretanto, a polícia política acompanhava os seus movimentos, acusada de quando aluna de Faculdade de Letras pertencer à Juventude Comunista e feito uma distribuição de panfletos com “propaganda subversiva”. Na passagem para a década seguinte, ela seria despedida da rádio e seguiu para Angola com o seu marido de então, Fernando Curado Ribeiro, os primeiros profissionais de rádio na então colónia portuguesa (1949). Curado Ribeiro saiu para trabalhar no antigo Congo Belga e para estágios na rádio em França e Inglaterra. O casamento acabara, com Joana Campina Miguel a continuar a trabalhar em rádios do Huambo, Luanda e outras cidades. Ela refaria a vida com Sebastião Coelho e, além da rádio e do ensino, gravou música étnica angolana, não sabendo eu se ficaram preservadas cópias desses registos. A polícia política nunca deixou de acompanhar a vida da locutora, dando-a a residir em Lisboa em 1973 e a pedir colocação como professora.

Em 1974, a Emissora Nacional readmitiu-a, reconhecendo que fora alvo de processo de despedimento no tempo após o final da II Guerra Mundial, agora como locutora de 1ª classe. Porém, pouco depois, deixava a rádio.

(Vida Mundial Ilustrada, 3 de agosto de 1944 e 4 de janeiro de 1945)