[o meu agradecimento prévio a https://www.facebook.com/goncalo.p.rosa.1 por me dar a conhecer o texto]
O artigo de Diamantino Faria no segundo número de 1967 do boletim Jornalistas do Sindicato Nacional contém muita informação e a que dedico atenção. Ele começa por indicar que o jornalismo radiofónico começou na Emissora Nacional, passando para Rádio Clube Português. Nas outras rádios, o sistema era recortar a notícia e lê-la ao microfone, sem “a elementar adaptação da linguagem escrita, nem sempre conforme as necessidades da notícia oral”.
Ao elogio dos noticiários de Rádio Clube Português seguiram-se críticas como ausência de recomendação no recrutamento dos noticiaristas, noticiários assentes em trabalhos de agência, ausência de sequência lógica de notícias nacionais e internacionais, ausência de comentários às notícias e número reduzido de minutos (três minutos). Diamantino Faria estava longe do profissional ignorante e inocente. A duração dos noticiários da estação garantia o perfil próximo do tempo do anúncio publicitário, de modo a identificar o noticiário com a faixa horária de maior rentabilidade publicitária antes e depois da informação; a ausência de comentários devia-se ao regime de censura existente; e a falta de lógica na informação nacional devia-se ao facto de os radialistas falarem da guerra do Vietname e não da guerra colonial em África pelas mesmas razões da censura. Sim, a Diamantino Faria incomodavam os proventos radiofónicos e a ausência de controlo total pelo organismo sindical.
O locutor tinha uma ligação longa com a estação. Do grupo inicial de colaboradores da revista Antena, de propriedade de Rádio Clube Português, com Luís Filipe Costa, Fernando Curado Ribeiro, António Miguel, Matos Maia e Jaime da Silva Pinto, todos ligados às emissões da estação, Diamantino Faria também fazia parte. Na revista, ele e José Matos Maia envolveram-se em troca de artigos sobre um tema qualquer da rádio. Matos Maia criara, na sua juventude, um caso forte na rádio, ao produzir programa sobre aterragem de marcianos em Carcavelos, à Orson Welles, o que provocou a atuação da PIDE. É certo que o regime estava muito sensível e irritável, pois Humberto Delgado desafiara o Estado Novo ao concorrer à presidência da República e os resultados seriam divulgados pela altura da emissão. A base da polémica continuaria com este artigo do sindicato em 1967 a criticar os noticiários.
Em lugar mais fixo, Diamantino Faria trabalhou como locutor de reportagens de exterior no programa de Rádio Clube Português Talismã, do produtor Gilberto Cotta (após saída de Armando Marques Ferreira, das 7:00 às 8:30 e das 10:00 às 12:00). Não escrevo que ele fosse um bandidolas mas era certamente truculento e fanfarrão. Um dia, apareceu na rádio vestido com a farda da Legião Portuguesa, organização paramilitar do Estado Novo, e com pistola à cintura, pequeno poder a intimidar os que não pensavam como ele. De altura de um metro e 80 ou até mais, era alguém que estava nos programas e depois se zangava. Diamantino Faria fizera vida profissional em África, numa época em que muitos locutores experimentavam a rádio africana, estavam um contrato e regressavam.
Muito antes, Diamantino Faria fora locutor das pequenas rádios de Lisboa, como Clube Radiofónico de Portugal, que pertencia à Casa dos Hospitais Civis de Lisboa, e Rádio Peninsular. Um dia, chegou-se ao pé de Amadeu Laranjeira e disse qualquer coisa como “o gira-discos do lado direito, de vez em quando, deixa de tocar. Avaria-se”. O patrão da Rádio Peninsular era cuidadoso mas não tomou diligências imediatas. Por isso, o locutor anunciava o disco, tirava o disco, anunciava, punha outro disco, tudo com pausas enormes. À moda de Diamantino Faria, emitiu: “Senhores ouvintes, já repararam o tempo que eu estou a demorar a pôr os discos no pick-up, mas, sabem, a cabina de Rádio Peninsular neste momento é tal e qual um restaurante de segunda, só tem sopa e um prato”. Para ele, os restaurantes bons tinham sopa e dois pratos, de peixe e de carne. Quem tinha só um prato era uma “tabernazita, um restaurante de terceira qualidade”. Amadeu Laranjeira, que não seria de castigos, deve ter-lhe dado uma descompostura de primeira ordem.
O SNI organizava anualmente um concurso de peças de teatro radiofónico. No de 1951, entre outras, seria premiada a peça de Diamantino Faria, Em casa de Nigromante. Em 1952, um funcionário superior da PIDE produzia uma lista de locutores estagiários confiáveis para o Estado Novo, alguns que ficariam na história da rádio portuguesa. Entre eles, estava Diamantino Faria (Arquivo Nacional Torre do Tombo, SNI, Caixa 1219, GS/29/4, 1951-1957).
Diamantino Faria era também um profissional eclético. Em 1964, faria adaptação de canção italiana para António Calvário cantar (Ó Meu Senhor, original de Edoardo Vianello, com arranjo e direção de orquestra de Joaquim Luís Gomes). Alguém tinha trazido o disco de Itália, achara linda a melodia e Diamantino Faria prontificou-se a fazer a versão portuguesa (letra) numa tarde. Oito dias depois, o disco estava à venda.
Chamo ainda a atenção da imagem, de qualidade, e que me recorda os traços do caricaturista Cid.
