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Das memórias de Fernando Rocha

Fernando Rocha guardaria uma agenda de 1946, que abre com uma referência ao fim da Segunda Guerra Mundial, a que se sucederiam notas sobre atividades como aulas no liceu e no conservatório, idas aos Fenianos (bilhar, restaurante, biblioteca), ensaios e emissões do Rádio Clube Infantil, na ORSEC (Oficinas de Rádio, Som, Eletricidade e Cinema), e programa “Revista Humorística” na Ideal Rádio, o primeiro que ele começou a fazer fora do âmbito do RCI.

A estação Ideal Rádio (integrante dos Emissores do Norte Reunidos, Porto), com instalações exíguas e meios elementares, a funcionar no rés do chão, integrava-se numa pequena loja com oficina de reparações de rádio e uma cabina com dois “pick-ups” que dava para uma saleta a que pomposamente se chamava Estúdio A. No quintal, em nível superior, instalou uma antena horizontal e um emissor de 30 ou 40 watts com o indicativo CS2XE.

A rádio teve muita atividade devido ao dinamismo e voluntarismo do seu dono, Júlio Silva, e principal voz. A locução fazia-a de pé, atento aos clientes que entravam na loja e que ele via através de um espelho. Fazia sinal para que esperassem, punha um disco e tinha três minutos para atender, pelo que não dava para conduzir o programa sentado.

Júlio Silva teve ainda uma intensa atividade em favor do assistencialismo, como os leilões a favor de várias instituições (Casa do Gaiato, Lar do Comércio). A APT (Anglo-Portuguese Telephone) montava-lhe dois telefones para os ouvintes licitarem, o sistema permitia que se ouvissem mutuamente, tinha muita participação e bons resultados. Muitas vezes, essas emissões não tinham música. De voz clara, sonante, boa articulação e loquacidade, Júlio Silva atraía o auditório e conquistava a sua simpatia, às vezes objeto de críticas pelo exagero, exaltação e algumas falhas. Acompanhando o progresso criou uma rubrica a que chamou “Microgravação em Marcha” (nomeadamente os discos de 45 rotações por minuto), que anunciava quase cantando.

O programa “Revista Humorística” aconteceu em 1946 porque Avelino Simões (com quem Fernando Rocha fez a 4.ª classe na Escola da Ordem da Trindade), morava na rua Alferes Malheiro em casa pegada à da família Júlio Silva, dono da Ideal Rádio. Foi este que sugeriu a Avelino Simões fazer um programa semanal. Aceite o convite, ele convidou Fernando Rocha e Eugénio Alcoforado, tendo surgido a “Revista Humorística”. A reunião semanal de preparação era no café Palladium (inaugurado em 1940). Avelino Simões datilografava em triplicado todos os textos. Infelizmente, não ficou nenhum para a posteridade. O programa era em direto, a perder-se no ar. O mesmo aconteceu com a “Revista Feminina”, de Elisa de Carvalho.

Na Ideal Rádio, onde Fernando Rocha principiou a fazer locução de cabina e em vários géneros de programas, ele teve oportunidade de conhecer muitas pessoas ligadas ao meio como técnicos (Jorge Vilares, António Raposo e A. Sousa) e colaboradores diversos: Benjamim Melo, Domingos Parker, Elisa de Carvalho, Marta Mesquita da Câmara, João Manuel Antão, Mena Matos, João Calvário, Castro e Silva, José Quelhas, os irmãos Paixão (guitarra, viola), os irmãos Vinhas ( piano e acordeão), Óscar Serra, Ferreira da Cunha, Lisete Fernanda, Alberto Caldeira, Maria Alexandrina e Mário Taborda (produtor/realizador do programa semanal “Revista do Mundo”, em direto). Na sua agenda, Fernando Rocha registou o dia em que fez a primeira locução. Curiosas as referências a participação em diálogos e teatro radiofónico, coordenados por Marta Mesquita da Câmara, poetisa e redatora do jornal “O Primeiro de Janeiro”.

Tudo memórias de gente de uma geração cultural que tornou muito popular a audição radiofónica na região do Porto.

Imagens:Grupo na Foz do Douro (fim da década de 1940): 1- Avelino Azevedo, 2- Mário Rocha, 3- Fernando Rocha, 4 – Mário Taborda

Eugénio Alcoforado em reportagem na Fórmula 1 (corrida no Porto)

Agenda pessoal de Fernando Rocha (1946)


OpenEdition sugere que esta publicação seja citada da seguinte forma:
Rogério Santos (28 de Fevereiro de 2021). Das memórias de Fernando Rocha. HISTÓRIA DA RÁDIO EM PORTUGAL. Recuperado em 12 de Fevereiro de 2025 de https://doi.org/10.58079/t7sc


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